04 março 2011

Série Antídoto: A cura para a igreja evangélica brasileira


O antídoto para a restauração da saúde da igreja brasileira é mais simples do que parece


Por Leonardo Gonçalves

Que a igreja brasileira não está vivendo o seu melhor momento, não é nenhuma novidade. Basta pesquisar a palavra “igreja” no Google para se dar conta do quanto a instituição carece de integridade e doutrinamento. No entanto, creio que apenas criticar os novos rumos do cristianismo tupiniquim, com seus pastores-apóstolos, profetas mercenários e pregadores cheios de estrelismo, não ajuda a resolver o problema. Obviamente, sei reconhecer o valor de uma crítica bem articulada, mas desprezo a atitude de quem somente destrói sem edificar nada no lugar, apenas pelo prazer de ver os escombros. A agressividade de quem só ataca sem oferecer uma resposta satisfatória à problemática eclesiástica e a hostilidade de quem aponta o problema, mas é incapaz de (tal como Neemias) ser a resposta ao próprio clamor é tão reprovável quanto a conduta dos mercadores da fé. Em síntese, tal atitude redunda em hipocrisia e grande desejo de aparecer às expensas daqueles que são objeto da sua fúria voraz.

Nesse ínterim, mentes esclarecidas argumentam contra o atual estado das coisas, mas na maioria dos casos, esquece-se de dizer como as coisas deveriam ser. Preocupam-se em execrar os farsantes, mas não indicam uma outra via, uma possível eleição. Deste modo, acaba-se promovendo uma generalização banal. A “apologética denuncista”, tão popular nos últimos anos, acaba fortalecendo o estereótipo latente no imaginário popular de que todo pastor é ladrão e que igreja evangélica é sinônimo de bandalheira.

Não quero assumir nenhuma postura messiânica. Não tenho o brilhantismo de Lutero, nem o zelo teológico de Calvino. Falta-me a coragem de John Huss e Wyclyffe, e sobra-me o pedantismo e a inconstância de Pedro. Sendo assim, ninguém mais improvável do que eu, para querer dogmatizar a apologética ou indicar a única via possível para a restauração da igreja evangélica neste país. Apesar disso, a paixão que tenho pela igreja, somada a pouca experiência de 10 anos como plantador de igreja, me conferem um pouco de autoridade para abordar este tema tão polemico. E visto que tenho falado sobre indicar o caminho sobre o qual a igreja evangélica brasileira deve trilhar para desenvolver-se de modo saudável, passarei a discorrer sobre aqueles tópicos que, a meu ver, deveriam ser tratados com mais responsabilidade pelos líderes eclesiásticos do nosso Brasil.

Primeiramente, a igreja brasileira precisa de pastores com vivencia apologética. Observe que não estou falando de pregação apologética, mas de vivencia apologética. Não creio que pregar contra a rosa milagrosa, o sabonete ungido e a fogueira santa seja mais necessário que a integridade ministerial. Já dizia um antigo pastor: “uma grama de testemunho vale mais que um quilo de pregação”. A crise da igreja evangélica brasileira não é apenas teológica; ela é moral. A própria teologia neopentecostal com sua ênfase na prosperidade adquirida através de vultosas ofertas nada mais é do que o reflexo do caráter hediondo dos seus arautos, verdadeiros estelionatários que já estariam atrás das grades, se este fosse um país sério. A vida do ministro sempre falará mais alto que seu sermão, razão pela qual sua vida, e não apenas o seu sermão, deve ter ênfase apologética. Pietismo, santidade, pudor, vergonha na cara, devem ser buscados mais do que as unções, os poderes, as línguas e as profecias.

Em segundo lugar, nossa liderança precisa ser mais tolerante com respeito à liturgia, adequando-se ao mundo contemporâneo. Precisamos deixar de perder tempo discutindo se podemos ou não dançar, se o rock é de Deus ou do diabo, se devemos ou não aplaudir, e concentrar-nos mais no evangelho de Jesus. Peço desculpas pelo tom de desprezo, mas sinceramente acho ridículas as discussões presbiterianas sobre “salmodia exclusiva”, e risível o argumento pentecostal de que a verdadeira musica sacra foi escrita há cem anos. Se temos como objetivo comunicar as verdades espirituais aos homens e mulheres do nosso tempo, precisamos de uma liturgia que se adapte as necessidades do mundo contemporâneo.

Logo, em terceiro lugar, penso que a igreja evangélica precisa de contextualização missionária. Isso decorre do segundo ponto: O povo brasileiro é ímpar por causa da sua diversidade cultural, e isso vai refletir na igreja. No entanto, a maioria dos pastores brasileiros parecem insensíveis a essa diversidade cultural, e acabam impondo a linguagem e os costumes do “gueto gospel” aos incrédulos. Dessa forma, criam uma geração de crentes estereotipados, meros papagaios de chavões de mau gosto: “Fala vaso!”, “Oh, varão, tem fogo aí?”, e outras fraseologias que são acessíveis apenas aos iniciados e que excluem a todos os demais. Precisamos de uma igreja cuja pregação se adapte a linguagem, contexto e necessidades do povo brasileiro.

Precisamos resgatar a pregação cristocentrica, a mensagem da justificação pela fé, e enfatizar estas verdades em todo tempo, pois elas são o cerne da teologia protestante. Nossas igrejas não possuem ênfase cristocentrica em seus ensinos. Aliás, para ser sincero, Cristo é um personagem coadjuvante nas pregações hodiernas. Fala-se muito sobre Davi, Sansão, Elias e Eliseu, profetas e reis do Antigo Testamento, mas muito pouco se fala sobre os méritos da cruz e sua aplicação na vida do crente. A justificação pela fé permanece apenas na qualidade de dogma, pois na prática o que vale mesmo é a teologia da barganha, da permuta, do “fiz por merecer”. A doutrina da justificação pela fé é o contraponto para refutar as heresias da prosperidade e a manipulação do sagrado, tão propaladas no meio pentecostal e mais recentemente pelos neopentecostais, sendo esta mais uma razão pela qual ela deve ser enfatizada.

Em quinto lugar, se queremos ser realmente bíblicos em nossa forma e próposito, precisamos elaborar uma eclesiologia menos centralizadora, que faça jus a doutrina protestante do sacerdócio de todos os crentes e introduza os leigos no ministério cristão, servindo com seus dons. Uma das maneiras de conseguir isso é através de pequenos grupos, reuniões caseiras, criando uma estrutura que promova a comunhão ao mesmo tempo em que permite que os crentes descubram seus talentos e ministrem a outros. Ao fazê-lo, estaremos permitindo que “a justa operação de cada parte produza o crescimento” (ênfase acrescentada).

Finalmente, creio que devemos ser sensíveis o suficiente para perceber até que ponto vale à pena lutar contra o sistema, e em que ponto é necessário abandonar o barco. Como disse no início deste texto, opor-se ao mercantilismo evangélico, as barganhas e vida pecaminosa dos líderes eclesiásticos, sem dispor o próprio coração para ser você mesmo a cura que a igreja precisa, nada mais é do que palavrório vão. As “igrejas S/A” tem ferido a milhares de pessoas, e é preciso que se levantem servos de Deus para apascentar, restaurar e re-orientar estas pessoas. Há uma grande necessidade de igrejas sadias no nosso país e eu oro para que alguns dos críticos de hoje ultrapassem a barreira da crítica pela crítica e se proponham a ser a mudança que a igreja precisa. Oro para que muitos dos que hoje acusam a igreja de tantos pecados, se disponham a ser, eles mesmos, os líderes que anelam ver.

É claro que há muitos outros aspectos em que a igreja brasileira pode e deve melhorar, mas creio que se conseguirmos aplicar estes, já teremos feito um grande progresso.


***
Leonardo Gonçalves ama a igreja e deseja amá-la cada vez mais. Sonha com uma igreja diferente e se dispôs a ser – ele mesmo – a resposta da sua oração. E você? Será que você está disposto a se transformar na igreja que você sonha ver? Está disposto a se transformar no líder ético e espiritual que você anela ter? #isso_é_reforma!

4 comentários:

Anônimo disse...

Pastor os senhor está com a razão!

Particulamente, quando era novo na fé sempre desejei ser um desses 'pregadores estrelas', ser conhecido no Brasil inteiro, pregar para multidões, vender DVDs de pregações. Mas depois de algum tempo e maturidade Deus me mostrou a situação da igreja brasileira e principalmente em minha congregação.

Hoje com a ajuda de Deus tenho lutado para mudar essa situação no campo que faço parte. Antes pensava impactar multidões com uma messagem vazia, agora quero impactar aqueles que estão ao meu alcance com um cristianismo puro e simples.

Parabéns pelo post

Que Deus abençoe a igreja brasileira

Pb. João Batista de Lima disse...

Concordo com você reverendo. Só não acho que a liturgia da igreja deva mudar para uma postura que agrade a cultura vigente!O de praticar o que foi ensinado por Paulo em Romanos: E não vos conformeis com este século. Mudar a estrutura Liturgia seria o mesmo que mudar as convicções da igreja, não é a liturgia que esta deixando a desejar, é os fanáticos que não se atem a estudar os princípios deixados por Jesus Cristo. Que Deus te abençoe e gostei muito do post vou segui-lo e ja add no meu Blog! Paz!

Leonardo Gonçalves disse...

IPB,

Discordo quanto à liturgia. Realmente separo liturgia e convicçoes da igreja. Doutrina e conduçao do culto. Os elementos imutáveis do culto sao oraçao, celebraçao, palavra e ceia. A distribuiçao destes elementos no tempo de "culto", bem como a performance contemporânea nao sao proibidas por Deus.

Quanto à Romanos 12 (um dos capítulos que mais gosto!), realmente nao devemos nos amoldar a este mundo. No entanto, mundo aí é um sistema que se opoe ao evangelho. Poderíamos até descrevê-lo: Mundo hoje seria a uniao sem compromisso, o sexo pelo sexo, a mentira e a traiçao, a soberba e o egoísmo (elementos base da sociedade pós-moderna), a violencia, etc... Estes valores sao contrários à essência do evangelho. Sao do mundo.

No entanto, nao creio que tornar o evangelho mais acessível à uma sociedade que o conhece seja o mesmo que "mudar as convicçoes da igreja", mesmo porque "fazer com que Cristo seja conhecido e amado em todas as naçoes, independente da cultura local" sempre foi uma convicçao da igreja. Estou certo?

Grande abraço! E pode discordar... Desde q seja com amor.

Paz e bem,

Leonardo.

Everton Levi disse...

Pois é Pastor Leonardo, venho há algum tempo refletindo sobre isso, e segue-se algumas humildes conclusões.

A urgência de um retorno é extrema. Retornar àqueles que um dia plantaram com muita destreza as sementes que dariam belos frutos, mas que por fim foram contaminados pelos pesticidas dos séculos vindouros. Homens que lutaram pela causa divina até as últimas consequências a ponto de perderem a única coisa que lhes fora dada gratuitamente e talvez a maior razão de entregá-la, a vida.
Até a Teologia, ciência elaborada a fim de estudar o sobrenatural, o invisível aos olhos físicos, no intuito de discernir os aspectos metafísicos que transcorreram os anos, e aproximar-se do Eterno nem que seja ao menos um tiro de pedra, se perdeu em meio às balburdias da “conquista” humana.
Que conquista antagônica! Chegando ao ponto de perverter os valores mais rígidos que estão contidos no âmago do ser.
Quais seriam as reflexões filosóficas que fariam os precursores da Filosofia? Que definição daria Platão e Sócrates para tantas ambiguidades? O que diria Paulo, Policarpo, Agostinho e os reformadores como Lutero e Calvino dos valores – se é que pode se chamar de valores – estampados no peito desta sociedade? O que seria inserido no Cânon se este ainda estivesse indefinido e aberto? Onde anda o a “deusa” Ciência e suas respostas absolutas e definidas? Não se pode achar, uma vez que seu limitadíssimo conhecimento das coisas deste mundo e das do “outro” – o metafísico – sucumbem diante dos dilemas atuais. Enfim, as indagações vagam ao ponto de beirarem o desespero.
Mas, uma luz brilha no fim do túnel!
Os Pais da Igreja – que até então desprezados e ridicularizados até mesmo pela Igreja – estão sendo relidos, na tentativa de buscar em suas definições tão antigas um respaldo às crises contemporâneas. Uma vez que estes homens – simples e mortais – debruçaram-se na vontade de Deus, a fim de contribuir com suas fugazes passagens terrenas com o projeto igualitário do Eterno. Beberam do cálice da amargura, desprezo e dor – não muito diferente de seu Mestre – e com coragem e devoção selaram seus legados com o preço do sangue do martírio, mas nunca deixaram de promulgar a fé que salva, que iguala, que cura e liberta o homem das mais terríveis futilidades terrenas. Gravaram nos anais da história seus nomes, não como super-heróis, mas como homens que fizeram o básico – pois o diferente se antagonizou. Ressaltaram o valor da vida e seu real motivo ao condicioná-la aos cuidados do Oleiro-Mor, a ponto de serem esmagados como barros pelos braços ditadores dos impérios. Mas, nunca, jamais lhes tiraram o direito de sonhar. Sonho que retrata um mundo aos pés de Cristo, igual entre pares e recíprocos por natureza. Sonho que preenche os corações dos cansados e oprimidos por um mundo desigual e extremista, que fez da criação divina um produto com prazo e data de validade, que fez do sacrifício de Cristo uma história carregada de moralismo e usada na obtenção de movimentar os altos e baixos índices das bolsas mundiais. Um mundo que “matou” Deus pela busca desenfreada e obsessiva pelo topo. Um mundo que grita calado e não enxerga a maldição que herdou ou se enxerga prefere deixar como está.
Mas é chegada a hora de uma reforma, de um retorno que dê a face aos ditadores contemporâneos e se entregue ao exílio da pós-modernidade, que tenha coragem de hastear a bandeira de Cristo manchada com seu sangue e de todos quantos por esta causa lutaram, a fim de declarar que as úlceras que corroem esta sociedade serão curadas diante de uma expressão de fé e devoção n’Aquele que está além, muito além da Física, que transcende a relação tempo e espaço, que não é encontrado nas cartilhas da “deusa” Ciência nem tão pouco na teoria evolutiva de Darwin e sim em Suas marcas visíveis na criação, em sua santa Palavra, na simplicidade dos corações dos humildes e no olhar terno dos mártires da causa de Cristo.

Em Cristo,
Everton Levi

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