Serie Antídoto (2): A cura para a igreja evangélica brasileira
Por Leonardo Gonçalves
Depois que escrevi o primeiro texto da série Antídoto, fiz uma pausa em minha vida virtual para testar até que ponto eu estava sendo fiel aos princípios ali elencados. Creio que ser fiel a Deus e ao chamado dele para nossas vidas é essencial para se tratar de um assunto como estes. Também tenho dedicado meu tempo a observar os padrões e as formas da igreja contemporânea, sempre em oração e buscando discernir o que há de errado com a igreja evangélica. Obviamente que o que escrevo aqui não é norma absoluta de verdade e reconheço que posso ser refutado em um ou outro ponto. No entanto, o texto que segue é um exercício sincero do sentimento do meu coração, fruto do desejo de ver uma igreja sã, que embora imperfeita, glorifica a Deus neste mundo e não se esconde da sua missão de ser sal e luz.
A igreja é fruto do evangelho, e o evangelho é o anuncio da igreja. Deste modo, nada mais sensato que começar nossa meditação falando de evangelho. A palavra evangelho é oriunda do grego e significa “boas notícias”. Biblicamente falando, a noção de evangelho está bastante próxima do conceito de redenção, proclamação e comunhão.
Evangelho é proclamação. Não é qualquer proclamação, mas a proclamação de que o reino de Deus foi inaugurado na terra na pessoa de Jesus Cristo e está presente na vida dos seus súbditos. O reino de Deus está presente, embora não em sua plenitude. O conceito do “já e não ainda”, isto é, a idéia de que a vontade de Deus é realizada na terra mais ainda não alcançou o seu auge é parte da proclamação, e nos impulsiona a continuar expandindo este reino através de nossas palavras e ações.
Evangelho é redenção. Redenção no sentido mais puro e mais gratuito. E redimir significa comprar. No evangelho, Deus revela sua generosidade ao comprar para si a humanidade caída, desfigurada e destituída de genuíno valor. Uma vez que todos pecaram e se fizeram inúteis, não havia razão alguma, a parte da generosidade de Deus, para que ele nos comprasse para si. No entanto, em um ato gratuito e soberano, Ele decidiu resgatar o homem da sua condição pecaminosa oferecendo o que de melhor ele tinha. Na cruz, o filho de Deus foi moído por nós.
Evangelho é comunhão. E comunhão é a essência da nossa nova vida. Comunhão é ao mesmo tempo o próprio evangelho (a boa notícia de que os homens que estavam separados de Deus podem entrar na presença dele e chamá-lo de pai), como a conseqüência dele (o acesso a uma nova vida na família de Deus, pela fé em Cristo). Desfeitas as inimizades, podemos sentar juntos para adorar e compartilhar.
Estes três elementos, embora básicos, dificilmente podem ser encontrados nas igrejas ditas cristas. Ora, a proclamação do evangelho é o reino de Deus, que é a sua vontade feita na terra através dos seus servos. No entanto, nada mais esquecido do que a vontade de Deus. Sermões sobre entrega, rendição incondicional á soberana vontade de Deus e conformidade com os seus planos estão totalmente out. O pacote evangélico contemporâneo, salvo raras e justas exceções, não admite a humildade e a subordinação entre as suas virtudes, exceto quando se trata de obedecer cegamente aos líderes eclesiásticos. O “evangelho” pregado nos púlpitos da atualidade exalta a vontade do homem e o coloca no centro das atividades cósmicas. Do homem, pelo homem e para o homem são todas as coisas, bastando apenas determinar o milagre.
Também a redenção perdeu sabor e significado. Em um mundo movido a feedback, não há sentido em pregar uma obra restauradora intimamente ligada ao conceito de eternidade. Além disso, em nosso mundo relativista não há espaço para noções “obscurantistas” tais como certo e errado, e o pecado se transforma em uma questão de ponto de vista. Em termos práticos, a presença do pecado deixou de ser reconhecida, e conseqüentemente, a redenção deixou de ser necessária. Do mesmo modo, a comunhão, o companheirismo, o discipulado integral não encontrou cabida neste mundo de Martas, onde todo mundo está continuamente ocupado com tantas coisas. Restam poucas Marias, dispostas a sentar aos pés do mestre no aconchego de uma reunião caseira, e ouvir o que ele tem a dizer, enquanto desfruta da companhia e do calor humano dos demais, irmanados, unidos.
Como restaurar a igreja e seu tripé evangélico (proclamação, redenção e comunhão) que durante séculos nos caracterizou pela alcunha? A verdade é que a forma de pensamento que criou os problemas que temos hoje não é capaz de resolvê-los. Não é criando novas comunidades engessadas, feitas nos moldes daquelas que repudiamos, que vamos resolver o problema. Aliás, não é o atual esfriamento das relações e a ausência de vida na igreja o resultado de termos copiado o modelo católico de catedral, preterindo as relações e relegando-as a um plano inferior? A reforma protestante foi uma reforma de doutrinas, mas faltou aos reformadores a coragem de reformar também as estruturas.
Assim, reconhecemos que a estrutura eclesiástica contemporânea e ocidental é um estereótipo ruim. Variam as liturgias, mas perdura a idéia extravagante de que o templo é um lugar sagrado, ao invés de um ambiente funcional, tal como na igreja romana. O resultado disso é o engessamento e a letargia crista, já que a igreja não oferece uma estrutura que favoreça a propagação da sua mensagem, concentrando todos seus esforços no interior dos seus edifícios e fazendo da reunião do templo seu momento mais solene e importante.
A igreja precisa voltar ao evangelho para elaborar uma eclesiologia que sirva os interesses do reino de Deus, e não dos homens. Ela precisa olhar para o Novo Testamento a fim de encontrar nele o paradigma que lhe falta. Parte deste labor consiste em corrigir e lapidar a liturgia do templo, facilitando a comunicação, colocando Cristo novamente no centro da adoração e contextualizando sua mensagem. Outra parte, e talvez seja a mais difícil para a igreja institucional, é promover uma estrutura de cultos nos lares, bem como reconhecer sua autenticidade como igreja de Cristo. Além de fomentar a comunhão, esta iniciativa levará a igreja aos diferentes lugares, cumprindo de forma espontânea a ordem de anunciar o evangelho a toda criatura.
O resultado deste modelo de igreja? Redenção!
O Getsêmani: a solidão de Deus e a nudez do nosso coração
Por Leonardo Gonçalves
O capítulo catorze do evangelho de Marcos começa dizendo que os sacerdotes e escribas buscavam, com dolo, prender a Jesus (Mc 14.1, RC). Como não conseguiram encontrar algo que o desabonasse, as criaturas mais religiosas de seu tempo decidiram usar um ardil, uma falcatrua, um engano contra Jesus, com intuito de destruí-lo.
A bíblia diz que Jesus conhecia o coração dos homens (Jo 2.24), e que por isso não confiava neles. Jesus sabia exatamente com que intenção as pessoas o rodeavam, conhecia exatamente quem eram aqueles que estavam dispostos a segui-lo e quem eram seus inimigos. Ele conhecia o coração ardiloso do fariseu, o sapiente e inchado coração do escriba, e o cético coração do saduceu. Ele conhecia cada imagem da mente de Judas, de modo que este jamais pode esconder-se dele.
Mas Jesus não tinha apenas atributos divinos. Ele também era humano, e é sobre este Jesus homem que quero falar. O homem que abdicou de uma larga vida, de ter uma família, do carinho de uma esposa e do aconchego de um lar, de todas as comodidades de uma vida normal para experimentar sobre si a punição das nossas faltas. Aquele que, apesar da nobre missão que veio desempenhar, foi rejeitado pelos seus. Daquele que foi negado por Pedro, vendido por Judas, tratado com indiferença por Pilatos, espancado pelos soldados, crucificados pelos romanos e assassinado pelos meus pecados.
O momento da traição se aproxima, e Jesus vai ao Getsêmani orar. Em sua oração ele pediu o que qualquer homem pediria: “Passa de mim este cálice”, mas teve o discernimento que poucos homens possuem: “seja feita a tua vontade e não a minha”. O traidor se aproximava, e ele podia discernir seus passos de longe, de modo que a aflição aumentava. “Passa de mim este cálice”, dizia a sua carne, mas o sentido da sua missão o levava a sussurrar: “faça-se a sua vontade”.
Em cada aflição, “um anjo lhe fortalecia” (Lc 22.43). Ele passou três anos da sua vida consolando uma enorme multidão, mas na única ocasião que precisou de consolo e companhia, não houve amigos, não houve multodão, apenas anjos que o consolavam, situação emblemática que se perpetua na vida dos seus discípulos que vivem pelo senso da missão. Como diz Oswald Sanders, “a maior companheira do líder é a solidão” (ad tempora).
E veio o traidor, para com um beijo delatar o filho de Deus. Junto a ele, a comitiva que havia planejado o “dolo”, e que agora executaria seu plano macabro. Mas apesar da adrenalina envolvida naquele momento, Jesus não esboçou nenhuma surpresa: Ele definitivamente conhecia (de antemão) as intenções daqueles homens.
O processo de Deus é, muitas vezes, estranho aos nossos olhos. Seus caminhos envolvem grande tensão. Mas assim como a traição de Judas e o “dolo” dos seus inimigos não puderam frustrar seu propósito, do mesmo modo nenhuma traição, nenhum engano, nenhuma falsificação, nenhuma tristeza, nenhuma lágrima, nenhum abandono, nada... Absolutamente nada, pode frustrar o seu designo em nós. Nada pode surpreender aquele que conhece as maquinações dos perversos.
O Senhor cumprirá o seu propósito para comigo! Teu amor, Senhor, permanece para sempre; não abandones as obras das tuas mãos! (Salmo 138.8 – NVI)
A bíblia diz que Jesus conhecia o coração dos homens (Jo 2.24), e que por isso não confiava neles. Jesus sabia exatamente com que intenção as pessoas o rodeavam, conhecia exatamente quem eram aqueles que estavam dispostos a segui-lo e quem eram seus inimigos. Ele conhecia o coração ardiloso do fariseu, o sapiente e inchado coração do escriba, e o cético coração do saduceu. Ele conhecia cada imagem da mente de Judas, de modo que este jamais pode esconder-se dele.
Mas Jesus não tinha apenas atributos divinos. Ele também era humano, e é sobre este Jesus homem que quero falar. O homem que abdicou de uma larga vida, de ter uma família, do carinho de uma esposa e do aconchego de um lar, de todas as comodidades de uma vida normal para experimentar sobre si a punição das nossas faltas. Aquele que, apesar da nobre missão que veio desempenhar, foi rejeitado pelos seus. Daquele que foi negado por Pedro, vendido por Judas, tratado com indiferença por Pilatos, espancado pelos soldados, crucificados pelos romanos e assassinado pelos meus pecados.
O momento da traição se aproxima, e Jesus vai ao Getsêmani orar. Em sua oração ele pediu o que qualquer homem pediria: “Passa de mim este cálice”, mas teve o discernimento que poucos homens possuem: “seja feita a tua vontade e não a minha”. O traidor se aproximava, e ele podia discernir seus passos de longe, de modo que a aflição aumentava. “Passa de mim este cálice”, dizia a sua carne, mas o sentido da sua missão o levava a sussurrar: “faça-se a sua vontade”.
Em cada aflição, “um anjo lhe fortalecia” (Lc 22.43). Ele passou três anos da sua vida consolando uma enorme multidão, mas na única ocasião que precisou de consolo e companhia, não houve amigos, não houve multodão, apenas anjos que o consolavam, situação emblemática que se perpetua na vida dos seus discípulos que vivem pelo senso da missão. Como diz Oswald Sanders, “a maior companheira do líder é a solidão” (ad tempora).
E veio o traidor, para com um beijo delatar o filho de Deus. Junto a ele, a comitiva que havia planejado o “dolo”, e que agora executaria seu plano macabro. Mas apesar da adrenalina envolvida naquele momento, Jesus não esboçou nenhuma surpresa: Ele definitivamente conhecia (de antemão) as intenções daqueles homens.
O processo de Deus é, muitas vezes, estranho aos nossos olhos. Seus caminhos envolvem grande tensão. Mas assim como a traição de Judas e o “dolo” dos seus inimigos não puderam frustrar seu propósito, do mesmo modo nenhuma traição, nenhum engano, nenhuma falsificação, nenhuma tristeza, nenhuma lágrima, nenhum abandono, nada... Absolutamente nada, pode frustrar o seu designo em nós. Nada pode surpreender aquele que conhece as maquinações dos perversos.
O Senhor cumprirá o seu propósito para comigo! Teu amor, Senhor, permanece para sempre; não abandones as obras das tuas mãos! (Salmo 138.8 – NVI)
Inconveniência teológica
Por Leonardo Gonçalves
Hoje pela manhã uma tragédia horrível abateu a costa do Japão: Um terremoto de 8.9 seguido de um Tsunami destruiu cidades e casas, deixou aproximadamente 300 mortos e outras 300 pessoas feridas, número que pode aumentar nas próximas horas.
De manhã, Jonara ligou para a Carla, uma amiga que mora no Japão. Na conversa, ela contou que o terremoto durou cerca de 3 minutos, mas que o epicentro estava longe da sua cidade, e apesar do susto ela estava bem. Infelizmente, centenas de pessoas não tiveram a mesma sorte e se encontram agora debaixo dos escombros desta terrível catástrofe.
Nas redes sociais, especialmente no twitter, líderes religiosos expunham suas crenças e atacavam as crenças opostas. Por um lado, os defensores do open theism (ou teísmo aberto) e os adeptos da teologia relacional teclavam frases que podem ser sintetizada como: “Deus não sabia; ele foi pego de surpresa”. Do outro lado, alguns calvinistas pareciam fazer questão de deixar claro que o Tsunami foi obra do Deus soberano. Só faltou mesmo o senhor “Severo” para colocar a culpa na idolatria milenar do povo japonês, afirmando ser esta a grande responsável pelo tsunami, pelo terremoto e pelas centenas de mortes no Japão.
Diante de tudo isso, me pergunto qual deve ser a posição do cristão diante desta catástrofe? Devemos aproveitar o momento para discutir teologia? Devemos nos esforçar para criar uma teologia sistemática acerca da dor? Será que é hora de que se levantem os “advogados” de Deus com seus discursos melancólicos para afirmar sua inocência? Seria o tempo apropriado para que nós, calvinistas bíblicos, bradarmos a justiça punitiva de Deus no terremoto?
A resposta a que chego é que este é um momento inapropriado para os teólogos. E me refiro a todos eles. Não creio que o discurso relacional sobre uma divindade oca e movediça possa ajudar aqueles que precisam de uma rocha firme onde se apoiar neste tempo de calamidade. Um Deus que nada pode fazer pelo Japão é tudo o que os japoneses não precisam. Mas também creio que o discurso ortodoxo-fundamentalista que afirma que Deus estava presente ativamente no terremoto pode levar a confusão e dificilmente produzirá conforto.
Assim, acho que a discussão neste momento não é de teologia, mas de praxis. O mundo se pergunta onde está Deus em meio a este tão grande sofrimento: A resposta de Deus é (e sempre será) a ação da igreja, embaixadora do seu Cristo e seu corpo místico à serviço do mundo.
Redundo: Um Deus relacional oco em poder que é incapaz de intervir na situação dos japoneses não é o que precisamos! E um Deus soberano que em sua soberania não impulsiona seus filhos a servirem em amor às vítimas de tais calamidades também não é útil. Deixemos de inconveniências e oremos pelos japoneses.
#PrayForJapan
De manhã, Jonara ligou para a Carla, uma amiga que mora no Japão. Na conversa, ela contou que o terremoto durou cerca de 3 minutos, mas que o epicentro estava longe da sua cidade, e apesar do susto ela estava bem. Infelizmente, centenas de pessoas não tiveram a mesma sorte e se encontram agora debaixo dos escombros desta terrível catástrofe.
Nas redes sociais, especialmente no twitter, líderes religiosos expunham suas crenças e atacavam as crenças opostas. Por um lado, os defensores do open theism (ou teísmo aberto) e os adeptos da teologia relacional teclavam frases que podem ser sintetizada como: “Deus não sabia; ele foi pego de surpresa”. Do outro lado, alguns calvinistas pareciam fazer questão de deixar claro que o Tsunami foi obra do Deus soberano. Só faltou mesmo o senhor “Severo” para colocar a culpa na idolatria milenar do povo japonês, afirmando ser esta a grande responsável pelo tsunami, pelo terremoto e pelas centenas de mortes no Japão.
Diante de tudo isso, me pergunto qual deve ser a posição do cristão diante desta catástrofe? Devemos aproveitar o momento para discutir teologia? Devemos nos esforçar para criar uma teologia sistemática acerca da dor? Será que é hora de que se levantem os “advogados” de Deus com seus discursos melancólicos para afirmar sua inocência? Seria o tempo apropriado para que nós, calvinistas bíblicos, bradarmos a justiça punitiva de Deus no terremoto?
A resposta a que chego é que este é um momento inapropriado para os teólogos. E me refiro a todos eles. Não creio que o discurso relacional sobre uma divindade oca e movediça possa ajudar aqueles que precisam de uma rocha firme onde se apoiar neste tempo de calamidade. Um Deus que nada pode fazer pelo Japão é tudo o que os japoneses não precisam. Mas também creio que o discurso ortodoxo-fundamentalista que afirma que Deus estava presente ativamente no terremoto pode levar a confusão e dificilmente produzirá conforto.
Assim, acho que a discussão neste momento não é de teologia, mas de praxis. O mundo se pergunta onde está Deus em meio a este tão grande sofrimento: A resposta de Deus é (e sempre será) a ação da igreja, embaixadora do seu Cristo e seu corpo místico à serviço do mundo.
Redundo: Um Deus relacional oco em poder que é incapaz de intervir na situação dos japoneses não é o que precisamos! E um Deus soberano que em sua soberania não impulsiona seus filhos a servirem em amor às vítimas de tais calamidades também não é útil. Deixemos de inconveniências e oremos pelos japoneses.
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